terça-feira, 5 de setembro de 2017

Lido: Arvies

Quando a ficção científica se interseta diretamente com discussões em curso nas sociedades que dão origem a essa ficção científica não é raro que o resultado seja o mais relevante possível. Também não é raro que seja francamente bizarro, e note-se que estas duas coisas não são mutuamente exclusivas. Arvies (bibliografia), palavra inventada que provém da pronúncia inglesa das iniciais RV, nunca explicadas embora haja no conto elementos suficientes para levar à conclusão que devem significar "recreational vehicle" (e são um trocadilho evidente com VR, "virtual reality"), nasce do debate nos EUA sobre a despenalização do aborto, e atira o leitor para um futuro distante em que os vivos são fetos superinteligentes e alterados geneticamente, cujos corpos se mantêm no útero durante séculos enquanto as mentes vão vivendo as mais variadas vidas por interposto corpo. Ou melhor: corpos

Interpostos corpos esses que são os mortos, isto é, os arvies, ou seja, os veículos recreativos.

Confusos?

É mesmo essa a intenção. E para aumentar a confusão moral de tudo isto, Adam-Troy Castro ainda resolve acrescentar à receita um feto particularmente perverso, que decide usar uma arvie, uma tal Molly June, que está viva e por conseguinte, naturalmente, está morta, para fazer algo impensável e, francamente, porco: não só ficar grávida, o que é razoavelmente comum, mas levar a gravidez até ao seu primitivo fim, dando à luz.

Sim, tudo é tão bizarro como aparenta, tudo é tão imaginativo como parece ser. No original, não tenho dúvidas de que o conto é bom, embora não seja daqueles contos que realmente me enchem as medidas e esteja bastante distante da minha opinião sobre o tema. Nesta edição portuguesa é que a porca torce um bocado o rabo; é que tem demasiados erros, demasiadas gralhas, para a leitura fluir como seria desejável. Ora é um cordão umbilical que transmite os componentes necessários á manutenção de qualquer coisa, ora é um tom de vos que aumenta, ora é algo que ninguém quer experiênciar, ora é uma mão biológica que vai a caminho da fornaça, ora é uma porção de calinadas deste género.

Desagradável. Especialmente porque quem sofre com isso é o conto.

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