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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre a tradução de Martin no Brasil: teste de adaptação ao português do Brasil

As coisas compõem-se. Conto ter um post escrito e publicado sobre o fulcro de tudo isto ainda hoje, lá mais para a noitinha. Mas já agora, caros amigos brasileiros, digam-me lá: que vos parece este pequeno teste de adaptação da minha tradução ao português do Brasil? Fi-la eu próprio, em cerca de dez minutos, e trata-se do início do quarto capítulo. Quem quiser comparar com o que está editado, encontra-o aqui, num PDF com as primeiras 100 páginas da edição portuguesa.
O irmão ergueu o vestido para que ela o inspecionasse.
— Isto é beleza. Toque nele. Vá. Acaricie o tecido.
Dany o tocou. O tecido era tão macio que parecia correr-lhe pelos dedos como água. Não conseguia lembrar-se de alguma vez ter usado algo tão suave. Isso a assustou. Afastou a mão.
— É mesmo meu?
— Um presente do Magíster Illyrio — disse Viserys, sorrindo. O irmão estava de bom humor naquela noite. — A cor realçará o violeta de seus olhos. E também terá ouro e todos os tipos de joias. Illyrio prometeu. Esta noite deverá parecer uma princesa.
Uma princesa, pensou Dany. Já esquecera como isso era. Talvez nunca tivesse realmente sabido.
— Porque nos dá ele tanto? — perguntou. — O que quer de nós? — Havia quase meio ano que viviam na casa do magíster, comiam da sua comida, eram apaparicados por seus criados. Dany tinha treze anos, idade suficiente para saber que tais presentes raramente vêm sem preço, ali na cidade livre de Pentos.
— Illyrio não é nenhum bobo — disse Viserys. Era um jovem magro com mãos nervosas e um ar febril em seus olhos de um tom claro de lilás. — O magíster sabe que não esquecerei os amigos quando subir ao trono.
Dany nada disse. O Magíster Illyrio era um comerciante de especiarias, pedras preciosas, ossos de dragão e outras coisas menos palatáveis. Constava que tinha amigos em todas as Nove Cidades Livres e mesmo em zonas mais distantes, em Vaes Dothrak e nas terras das fábulas junto ao Mar de Jade. Também se dizia que nunca tivera um amigo que não fosse capaz de vender alegremente pelo preço justo. Dany escutava o falatório nas ruas, e ouvia estas coisas, mas também sabia que era melhor não questionar o irmão quando ele tecia suas teias de sonho. Quando era despertada, a ira de Viserys era algo de terrível. Ele lhe chamava “o acordar do dragão”.
O irmão pendurou o vestido ao lado da porta.
— Illyrio vai enviar os escravos para lhe darem banho. Assegure-se de que se liberta do fedor dos estábulos. Khal Drogo tem mil cavalos e hoje vem procurar um tipo diferente de montada. — Estudou-a criticamente. — Ainda entorta as costas. Endireite-se. — Lhe pôs as mãos nos ombros e os puxou para trás. — Deixa eles verem que já tem a forma de uma mulher. — Os dedos do irmão roçaram levemente nos seus seios em botão e se apertaram num mamilo. — Não me falhará esta noite. Se o fizer, será mau para si. Você não quer acordar o dragão, não é mesmo? — Os dedos torceram-se, um beliscão cruel e duro através do tecido grosseiro da túnica. — Não é mesmo? — repetiu.
— É, sim — disse Dany docilmente.
O irmão sorriu.
— Ótimo. — Lhe tocou o cabelo, quase com afeição. — Quando escreverem a história de meu reinado, minha doce irmã, dirão que começou esta noite.
Quando ele saiu, Dany foi até à janela e olhou, melancólica, as águas da baía. As torres quadradas de tijolo de Pentos eram silhuetas negras delineadas contra o sol poente. Dany conseguia ouvir os sacerdotes vermelhos cantando enquanto acendiam as piras noturnas e os gritos de crianças esfarrapadas que jogavam do lado de fora dos muros da propriedade. Por um momento desejou poder estar lá fora com elas, de pés nus, sem fôlego e vestida de farrapos, sem passado nem futuro nem um banquete a que ir na mansão de Khal Drogo.
Algures atrás do sol-posto, do outro lado do mar estreito, havia uma terra de colinas verdes e planícies cobertas de flores e grandes rios caudalosos, onde torres de pedra negra se erguiam por entre magníficas montanhas azuis-cinza, e cavaleiros de armadura cavalgavam para a batalha sob os estandartes dos seus senhores. Os Dothraki chamavam a essa terra Rhaesh Andahli, a terra dos Ândalos. Nas Cidades Livres, falavam de Westeros e dos Reinos do Poente. Seu irmão tinha um nome mais simples. Lhe chamava “a nossa terra”. Para ele, as palavras eram como uma prece. Se as dissesse as vezes suficientes, os deuses certamente ouviriam. “É nosso o direito de sangue, usurpado por meios traiçoeiros. Não se rouba um dragão, oh, não. O dragão recorda”.
E o dragão talvez recordasse mesmo, mas Dany não. Nunca vira aquela terra que o irmão dizia que lhes pertencia, esse domínio do outro lado do mar estreito. Aqueles lugares de que falava, Rochedo Casterly e o Ninho de Águia, Jardim de Cima e o Vale de Arryn, Dorne e a Ilha das Caras, para ela eram apenas palavras. Viserys era um rapaz de oito anos quando fugiram de Porto Real para escapar ao avanço dos exércitos do Usurpador, mas Daenerys não passara de uma partícula de vida no ventre da mãe.

4 comentários:

  1. Está bem mais abrasileirado, mas ainda tem algum vocabulário e estrutura portugueses, como o "Lhe" no começo das frases. Mas já quase meu idioma corrente.

    Por exemplo, o primeiro diálogo:
    "— Isto é beleza. Toca nele. Vá. Acaricia o tecido."
    Eu escreveria - Isto é belo. Toque nele. Vá (ou vai, aqui tenho dúvida sobre a adequação). Acaricie o tecido.

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  2. Algumas sugestões.

    - Isto é beleza/ Isto é lindo.

    parecia correr-lhe pelos dedos/parecia corre entre seus dedos

    Não conseguia lembrar-se de/ Não conseguia se lembrar de

    Porque nos dá ele tanto?/Por que ele nos dá

    eram apaparicados por/ eram paparicados por

    Ele lhe chamava “o acordar do dragão”/ Ela o chamava de

    um tipo diferente de montada./ um tipo diferente de montaria

    Lhe pôs as mãos nos ombros e os puxou para trás/ Pôs as mãos nos ombros dela e os puxou

    Se o fizer, será mau para si./ e o fizer, será mau para você mesma

    Lhe tocou o cabelo,/ Tocou o cabelo da garota

    Algures atrás do sol-posto/ Em outro lugar, além do sol poente

    Lhe chamava “a nossa terra”/ A chamava de

    Se as dissesse as vezes suficientes,/ Se as dissesse o suficiente ou suficientemente

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  3. Estou de acordo com as sugestões do Romeu Martins, exceto

    Lhe chamava “a nossa terra”/ A chamava de

    Eu escreveria "Chamava tudo de "nossa terra". Começar uma oração com Lhe ou A/O (como pronome oblíquo) fica estranho. Não é nem norma culta, nem português brasileiro coloquial. Um brasileiro pode escrever "Chamo-a" na norma culta ou dizer coloquialmente "Chamo ela", mas não usa "A chamo" (muito menos "Lhe chamo").

    Acho mesmo muito difícil um português escrever de maneira natural para um brasileiro e vice-versa.

    Eu fui criado por uma família de imigrantes portugueses, mas tenho dificuldades. Nesse meu livro que acabei de lançar, "Eclipse ao pôr do sol", incluí dois contos supostamente em PT-PT, mas não me atrevi a publicá-los sem fazê-los passar pelo crivo de uma portuguesa legítima (pedi pra você primeiro, mas não me respondeu ;-) ). E aí vi que era preciso mudar muita coisa. Não fazia ideia, por exemplo, de que a palavra "garoa" não existia em PT-PT e que era preciso trocá-la por "chuvisco".

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  4. Meus pitacos:

    "Assegure-se de que se liberta do fedor dos estábulos."

    Acho que para soar melhor no Brasil, poderia ser Se assegure que ficará livre do fedor dos estábulos.

    "Algures atrás do sol-posto" - Em algum lugar atrás do por do sol.

    No mais, quero dizer que achei interessante a sua preocupação com a tradução PTBR, ainda mais depois de se dispor a traduzir para a nossa realidade.

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